E chegou dezembro com suas chuvas, com os panetones nas prateleiras dos supermercados, anunciando que já é quase Natal! Luzes enfeitando cidades, praças, fachadas das lojas... Em todo lugar há um pouco do Natal...
E eu adorava essa época iluminada, onde todos os maus se tornavam um pouco melhores, mais tolerantes (ou mais tolerados)...
Quando criança, logo que chegava dezembro eu ficava implorando para a mãe montar a árvore e o presépio. Ela dizia: "ainda não está na hora". Minha mãe montava o Presépio e só colocava o Menino Jesus na Manjedoura no dia 24. Ficávamos todos em volta, querendo mexer nos bezerrinos, nos carneirinhos - levávamos muitos pitos. E eu ficava sonhando que um dia eu também teria uma casa, uma árvore de Natal, um Presépio, um marido bom, filhos lindos, corados, educados que pedem sempre: "mamãe posso fazer isso, posso fazer aquilo?" Eu queria ser muito feliz, ter três filhas (só tive duas), vestidas com roupas de veludo vermelho, fitas no cabelo, uma mesa decorada com pequenos pinheiros e muitas comidas gostosas. Laçaronetes enfeitando enormes caixas de presentes.... Eu queria ser muito feliz. E sou, mas nunca achamos que somos muito felizes. Sempre achamos que éramos felizes num passado longínquo e quase nunca reconhecemos o quanto somos felizes no presente.
Ai, como eu gosto de ter essas lembranças boas. Como eu gosto do Natal, onde todos os maus se tornam melhores e mais tolerantes (ou mais tolerados).
Quando criança, morando em São Paulo, quando chegava dezembro e meu pai recebia parte do 13o. salário, íamos eu e as irmãs fazer compras (de roupas) na "cidade". Quando nos referíamos ao centro da cidade, falávamos "cidade", como se morássemos na roça. Hoje nem sei se ainda falam assim: ir à cidade ao invés de ir ao centro da cidade. Bem, acho que hoje ninguém mais vai ao centro fazer compras de roupas - vão aos shoppings centers. Gostava de ir ao centro, andar pelas ruas ensolaradas, ver os flamboyants em flor, sentir o cheiro adocicado da estação, entrar e sair das lojas ao som das músicas natalinas. As Lojas Americanas da rua Direita (centro de São Paulo) tocava essas músicas durante todo o mês de dezembro. Gostava de ficar na loja provando as colônias, os perfumes, fazendo hora para ouvir as músicas. Nenhum estabelecimento tinha ar-condicionado, tinham enormes ventiladores que, quando passávamos perto esvoaçavam nossos cabelos, uma delícia aquele vento fresco secando o suor da nuca. Eu tenho comigo todas essas lembranças que volta e meia assolam meus pensamentos, me levando de volta para casa dos pais, numa época em que eu era apenas filha, sem responsabilidades, leve. Hoje sou mãe e às vezes eu gostaria de ser apenas filha, voltar a ser criança, ter a consciência do quanto éramos felizes em nossa infância pobre de coisas, que hoje temos aos montes e nem somos tão felizes assim por possuí-las. Depois das compras tomávamos sorvete ou lanche no Mappin (o slogan do Mappin era: "Mappin, onde há sempre o melhor, aberto todas as noites até as 22 horas!") Dez horas da noite? na minha inocência adolescência, ainda meio infantil, eu pensava: "mas quem é o louco de ficar nas ruas até as 10 da noite?" Hoje vejo crianças ficarem acordadas até de madrugada.
No dia 24 íamos à Missa do Galo, na Igreja São Judas Tadeu, que ficava a poucos quarteirões da nossa casa, no bairro Planalto Paulista. Íamos contando as casas que tinham luzes no jardim, aquelas bolonas coloridas que acendiam verde, azul, amarela. De repente todas as cores acessas num só momento e depois iam alternando, ora a verde, ora a amarela...Em nossa casa não havia esses pisca-pisca. Antigamente o pobre era POBRE mesmo. Hoje, qualquer pobrezinho tem a casa enfeitada, embora com tudo da China, tudo descartável, dura só um Natal. Mas quem é que vai querer repetir a decoração Natalina do ano passado? Joga fora, compra outra. A minha decoração natalina é desde o meu primeiro ano de casamento. E eu adoro montar o Presépio, mas não sou tão paciente quanto a mãe, coloco logo o Menino Jesus deitadinho, mesmo porque eu sempre viajo no Natal para ficar junto às famílias, minha e do meu marido.
E eu, que amo o Natal e a casa enfeitada, com árvore, presépio e Menino Jesus, não terei a casa enfeitada nesse Natal. Ando triste. A cachorrinha da minha filha destrói tudo - não quero ver meu Menino Jesus com as pernas comidas, a palha da manjedoura espalhada pela casa...
Ah, não venham me dizer que é preciso educá-la. Nem filho a gente consegue educar direito! Uns dizem: "dobre uma revista e dá umas batidinhas nela para aprender". Outros dizem: "esfregue o focinho dela naquilo que estragou". E outros dizem, fale em tom bravo - eles entendem". A bichinha não entende é nada. Dei-lhe umas chineladas (nela e na filha junto) e ninguém aprendeu nada. Destruiu os armários da cozinha, comeu o tapete da sala, o celular da filha... ai, não vou ficar aqui descrevendo as travessuras da cachorrinha, ando tão cansativa nesse assunto! Vim aqui falar do Natal. Vim aqui falar que hoje estou mais tolerante. Vim aqui falar que o Natal me torna melhor, pois nem fiquei ¨&¨*((&%%¨da vida com a aluna que faltou. Pulei da cama cedinho, adiei compromissos, queria ir na feira de flores porque, afinal, hoje é sexta-feira, dia de enfeitar a casa. Desprezei tudo, me aprontei, fiquei lá sentadinha no ateliê esperando dar 8:30. Deu 9:00. Achei estranho, liguei o computador e havia uma mensagem enviada à noite anterior, pedindo desculpas, pois havia se esquecido do nosso compromisso e não viria.
Um dia ainda quero passar a noite de Natal na minha casa, com minhas filhas, meu marido e até a cachorrinha que já se considera da família. E por que não? O Natal torna os maus um pouco melhores, mais tolerantes (ou mais tolerados). Afinal, é Natal!