Aqui é o espaço onde falo, na maioria das vezes, das costuras, do meu trabalho, das minhas alunas e da minha vida também.
Em dezembro fiz 58 anos. Não fiz bolo e nem fritei salgadinhos. Não enrolei brigadeiros e nem docinhos.
Passamos um dia muito, muito agradável só nós 4. Fomos almoçar num lugar ao ar livre bem gostoso. Eu estava em companhia daqueles que eu mais amo. Para mim isso basta.
Eu, a filha mais velha e o marido ao fundo - a caçula só aceita fotos quando se sente linda. Eu aceito fotos quando me sinto feliz. E naquele dia eu estava muito feliz!
Daqui a dois anos terei 60 anos - serei considerada uma idosa. Vou ter licença para passar na frente, não pagar condução, ter preferência nos assentos...
Terei passagem livre. Serei uma rainha!!! Viva eu, com meu direito adquirido na velhice!
Velha, eu? A ideia que tenho de uma pessoa idosa é de uma pessoa curvadinha, andando devagar, com a voz fraquinha ou mesmo com uma bengala, como ilustra aquelas figuras que se vê no assentos dos ônibus e metrô, reservado para idoso.
Pois é. É difícil encarar essa realidade e já sinto que isso não vai me agradar em nada. Nada mesmo. Tive uma amostra disso há dois anos atrás quando fui ao centro de ônibus. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa ágil, disposta e ir ao centro de ônibus não me incomoda. Vou numa boa, de salto alto até.
Naquele dia coloquei salto, pois se você vai deixando o salto, quando precisar usar um dia vai se sentir desconfortável. Assim estava me sentindo muito bem de salto, bonita e viva dentro do meu vestido florido que eu mesma fiz.
Tomei o ônibus, com todos os assentos ocupados. E, mesmo que os bancos preferenciais estivessem vagos eu não sento para não ter que me levantar quando alguém, naquelas condições, fosse ocupar. Eles ainda não são para mim, mesmo porque vou muito bem de pé nos transportes aqui da minha região que têm os trajetos curtos.
Uma pessoa - não um homem, que sua gentileza seria sim muito bem aceita - ofereceu-me o lugar preferencial que ela estava ocupando. Esses aqui:
Não preciso dizer que não fazia parte desse grupo. Não tinha mais de 60 anos, nem muito menos gestante, nem deficiente e não portava crianças no colo!
A pessoa que quis ceder o lugar era uma moça, digamos, com uns 30 anos ou mais. Olhei para a placa, olhei para trás, olhei para mim. Sim, era para mim que ela estava oferecendo o lugar de idoso, de gestante, de deficiente, de mulher com criança no colo...
Ela estava me achando uma velha? Fiquei matutando. Estava me achando incapacitada de ficar de pé por aproximadamente uns 15 a 20 minutos? Oras, oras, faça me o favor, quanta gentileza, não sou merecedora. Muito obrigada.
Mas não perdi o rebolado e não ia me portar como uma senhorinha educada ou uma folgada, ocupando o lugar de quem realmente necessitava, respondi com um sorrisinho meio de lado, meio irônico: "Não meu bem, esse assento é para idoso com mais de 60 anos e eu ainda não tenho 60 anos e estou muito bem de pé. Ainda não sou uma idosa. "
Talvez esse "ainda" tenha soado mais alto (e irritante) porque todo mundo se virou para mim. Certamente para conferir se eu ou a moça estava equivocada.
Depois fiquei com pena da moça que quis ser apenas gentil - gentil demais!
O maior silêncio no ônibus. Ficamos as duas, mudas, de pé, segurando aquele cano que tem no teto. Ô ódio. Fiquei o tempo todo matutando como as pessoas me viam realmente. Será que estava muito envelhecida para os meus 56 anos? Estava curvadinha, magrinha, com voz fraquinha? Sim, eu só consigo ver pessoas nessas condições ocupando aqueles assentos.
Daí entrou um rapaz e pimpa, sentou no banco da discórdia. Olhei para ela com um sorrisinho de vingança, querendo dizer "bem-feito, ficou sem seu lugarzinho, sua gentil"
Na volta tomei um táxi.
E eu lá preciso passar por esses aborrecimentos?
Eu nunca mais havia colocado o vestido florido. Hoje, depois de dois anos, voltei a usar. E, mais madura, mais ponderada, se tal fato vier a ocorrer novamente, se alguém vier a ceder o lugar de idoso para mim, embora ainda tenha 58 anos, vou aceitar numa boa, me esparrar no banco, botar meu fone de ouvidos e ver o mundo pela janelinha do ônibus. E por que não?

A velhice vai morar dentro de você o dia que realmente se sentir velho, sem uso.
Faço aqui uma observação como resposta a um comentário que recebi por e-mail:
- O fato de me sentir ofendida é olhar para essas figuras que ilustram a placa é não me encaixar dentro de nenhuma delas, principalmente dessa figura de idoso, curvado, com bengala. E mais, aqui é um espaço meu, onde falo o que sinto. Não ofendi ninguém, muito menos a moça que quis ser gentil, mas que me incomodou. Fui sincera, fiz um desabafo. Naquele momento a minha pessoa física não se encontrava naquela condição de bengala e com as mãos no quadril. E não vou retirar essa postagem do ar coisa nenhuma. Aqui é meu espaço, onde falo o que sinto, com licença?